COMPETÊNCIAS DO IBAMA EM MATÉRIA MARÍTIMA E COSTEIRA
- Georges Humbert
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Georges Humbert, advogado e professor, pós-doutor, doutor e mestre em direito, é autor de diversas pesquisas, entre estas, mais de 40 livros, orientações, bancas, grupos de pesquisa com apoio e financiamento do CNPQ e mais de 500 artigos, resumos, papers publicados em revistas. É fundador e presidente do Ibrades - Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade
O Ibama, desde 2011, não tem mais competência expressa e prevalente sobre portos e empreendimentos na zona costeira ou nos mares, salvo no mar territorial, plataforma continental ou zona econômica exclusiva.
A competência do Ibama deve ser interpretada sempre de maneira restritiva, não restando dúvida alguma de que o rol transcrito no inciso XIV do artigo 7º da Lei Complementar 140/2011 é taxativo.
A lista taxativa do que o IBAMA deve licenciar:
Art. 7º. São ações administrativas da União: (…)
XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999;
g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;
(…)
O referido diploma legal também deixa claro, em seu parágrafo único que
“o licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento”.
Portanto, não havendo vigência desta tipologia junto ao CONAMA, não pode a União se imiscuir no licenciamento de empreendimentos cuja localização compreenda, concomitantemente, as áreas de faixas terrestre.
Ocorreu que, ao ensejo da ADI 7007BA, o MPF e ONGs tentaram emplacar a tese que os Municípios não podem licenciar em zona costeira e em áreas de Mata Atlântica, o que é uma premissa falsa.
A própria AGU reconheceu a competência de Estados e Municípios para o licenciamento nestes casos, ao afirmar, em sua manifestação, que
“No tocante à supressão de vegetação primária e secundária, a mencionada Lei federal nº 11.428/2006 determina regras e critérios específicos, conforme se colhe das suas seguintes disposições”, mas que, “Essas diretrizes federais associam-se ao disposto na Lei Complementar nº 140/2011, que fixa normas gerais para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.”
E conclui a AGU:
“No caso específico de supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana, o regramento federal impõe a necessidade de autorização do órgão ambiental municipal competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente, com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico”.
Já quanto a questão costeira, a AGU foi clara nos autos, ao consignar que, além de respeitar os termos do art. 7° da LC 140/11,
“os licenciamentos ambientais no Bioma Zona Costeira Brasileira, de interesse protetivo nacional, partem de uma premissa cooperativa dos entes da Federação, que envolve não apenas a regularização dos processos, mas também a proteção e a fiscalização de empreendimentos que consumam recursos naturais e possam causar impacto ambiental.”
No mesmo sentido, da competência Municipal e Estadual prevalente na matéria, foi o voto do Relator Cristiano Zanin, aprovado à unanimidade pelo plenário, ao ensejo do julgamento de mérito da ADI 7007, ao reafirmar o que já vinha sendo consolidado no STF, que
“Em matéria de licenciamento ambiental, a Lei Complementar conferiu aos Estados a competência administrativa residual, pois tudo o que não tiver sido expressamente designado para a União e para os Municípiosé de competência estadual (arts. 7°, 8° e 9° da LC n. 140/2011).”
E arrematou o Ministro:
“Não se retira a possibilidade de o Município proceder ao licenciamento ambiental nos casos em que os impactos forem pequenos e estritamente locais...”. A própria PGR, em sua peça, reconhece que a União somente deve atuar em licenciamento de zona costeira e de mata atlântica nas hipóteses apenas “...se a magnitude dos impactos for significativa, nos termos de apuração posterior da referida Comissão Tripartite e decisão do Executivo Federal.”
Como conclui a própria PGR, citada em voto do Ministro Zanin, a União somente vai atuar no licenciamento
“em se tratando de licenciamento ambiental em Zona Costeira, ... em empreendimentos e atividades (i) localizados concomitantemente em zona marítima e terrestre, estabelecidos em ato do Poder Executivo com a participação do CONAMA, considerados o porte, o potencial poluidor e a natureza da atividade (LC 140/2011, art. 7º, parágrafo único); (ii) localizados no mar territorial, na plataforma continental, na zona econômica exclusiva ou em unidade de conservação federal (LC 140/2011, art. 7º, XIV, “b” e “d”); (iii) em zona terrestre, previstos em ato do Executivo, em razão do porte, do potencial poluidor ou da natureza do empreendimento (LC 140/2011, art. 7º, XIV, “h”); e (iv) que causem impacto ambiental de âmbito regional ou nacional (Decreto 5.300/2004, art. 12, IX).
Nada mais. O restante é dos Municípios e dos Estados.
Em razão disso, o Ibama editou a Orientação Jurídica Normativa — OJN 43/2012 a esse respeito:
Assim, apesar dos incisos previstos no art. 4º da Resolução Conama coincidirem, em sua maioria, com as alíneas do inciso XIV do artigo 7º da LC n. 140/2011, não se pode ignorar que o critério do caput (artigo 4º), que orientava a aplicação dos incisos, encontra-se revogado. Além disso, houve alterações no texto dos incisos, principalmente referente à definição de competência unicamente pela localização física do empreendimento, não mais havendo que se cogitar da abrangência dos impactos diretos ou indiretos causados pela atividade. Assim, se antes um empreendimento localizado, em sua totalidade, em um Estado, mas que causasse impacto direto em outro país ou em Estado diverso, era licenciado pelo Ibama, agora, não há que se falar em competência federal. O Ibama será competente, nesse caso, apenas se o empreendimento ou atividade for contemplado em ato do Poder Executivo (art. 7º, XIV, “h”) ou estiver, fisicamente, localizado ou desenvolvido em mais de um Estado ou extrapole os limites territoriais do país.
Segundo Talden Farias,
“a competência do Ibama deve ser interpretada sempre de maneira restritiva, não restando dúvida alguma de que o rol transcrito no inciso XIV do artigo 7º da Lei Complementar 140/2011 é taxativo.”
Não somente nos autos da ADI 7007, mas em diversas oportunidades, a AGU defende a taxatividade estrita da competência licenciatóriafederal, já tendo tratado do assunto de forma reiterada e definitiva por meio da OJN 33/2012 e dos Pareceres Jurídicos 168/2014/CONEP/PFEIBAMASEDE/PGF/AGU e 00012/2016/COJUD/PFEIBAMASEDE/PGF/AGU.
Pelo exposto, mais cabe aos Municípios, do que à União, licenciar em zona costeira.
Tudo isso, de acordo com a Constituição, com os arts. 7°, 8° e 9° da LC n. 140/2011, com manifestação da AGU, do próprio Ministério Público e do voto do Relator, Ministro Zainim na ADI referida, é falso concluir que o Município não tem competência para licenciar e autorizar ambientalmente em zona costeira e em mata atlântica.
O Município deve ser a regra, sendo a competência da União apenas em caso de impacto significativo, de relevância nacional e de acordo com tipologia prevista em ato do CONAMA, sendo o estado atuante apenas de forma residual, naquilo que não for de competência da União e dos Municípios, observadas as regras e procedimentos do arts. 7°, 8° e 9° da LC n. 140/2011, da Lei federal nº 11.428/2006 e Lei n. 7.661/1988.
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