ADI 7007 - A interpretação que desautoriza o STF e torna a Bahia um pária ambiental
- Georges Humbert
- 10 de jul.
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Atualizado: 11 de jul.
Li uma interpretação inconstitucional e inusitada ao teor da decisão da ADI 7007, tornando a Bahia um pária em matéria de licenciamento ambiental, isto é, o único estado da federação em que a competência constitucional municipal para impacto ambiental local é ditatorialmente tolhida, ao arrepio da Constituição e por uma má interpretação e aplicação do direito posto: aquela, segundo a qual, municípios não podem licenciar em zona costeira ou mata atlântica, mesmo se o impacto for local e se preenchidos os requisitos da LC 140/11 e da própria lei da mata atlântica.
Além de ter potencial para paralisar a economia na Zona Costeira, bem como já causar ainda mais insegurança jurídica e ineficiência no já combalido sistema estadual de licenciamento ambiental, que já não cumpre o prazo legal de seis meses para licenciar e emitir autorizações, nem aquele de três a cinco anos para decidir sobre auto de infração e de embargo, pena de prescrição, tal ato viola Constituição, o pacto federativo e desautoriza o STF.
Conforme esclarece a A ADI 4.757, referendada a constitucionalidade da LC 140, consagrou-se de forma unânime a ideia do federalismo ecológico e da descentralização da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), com protagonismo do Município.
No que diz respeito aos municípios, é importante destacar que esse julgado serviu para reforçar a descentralização da competência administrativa ambiental, ajudando a fortalecer a atuação dos entes locais:
"(…) 7. Na repartição da competência comum (23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional.(…)"
A ementa das ADI 6.288/CE, que também teve como relatora a ministra Rosa Weber, é bastante didática a respeito da autonomia dos entes locais em matéria ambiental:
"Ementa: ação direta de inconstitucionalidade. Direito ambiental e constitucional. Federalismo. Repartição de competências legislativas. Resolução do conselho estadual do meio ambiente do Ceará Coema/CE nº 02, de 11 de abril de 2019. Disposições sobre os procedimentos, critérios e parâmetros aplicados aos processos de licenciamento e autorização ambiental no âmbito da superintendência estadual do meio ambiente — Semace. Cabimento. Ato normativo estadual com natureza primária, autônoma, geral, abstrata e técnica. Princípio da predominância do interesse para normatizar procedimentos específicos e simplificados. Jurisprudência consolidada. Precedentes. Criação de hipóteses de dispensa de licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos potencialmente poluidores. Flexibilização indevida. Violação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da constituição da república), do princípio da proibição do retrocesso ambiental e dos princípios da prevenção e da precaução. Resolução sobre licenciamento ambiental no território do Ceará. Interpretação conforme para resguardar a competência dos municípios para o licenciamento de atividades e empreendimentos de impacto local. Procedência parcial do pedido."
Em igual sentido, o intuito da ADI 2.142/CE, que teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso, foi garantir a interpretação conforme para restringir a aplicação da norma ao âmbito estadual, bem como fazer com a competência concorrente estadual em matéria ambiental não tenha o condão de afastar a atribuição municipal no que diz respeito aos assuntos de interesse local predominante:
"É inconstitucional interpretação do art. 264 da Constituição do Estado do Ceará de que decorra a supressão da competência dos Municípios para regular e executar o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos de impacto local."
Ademais, todos os juristas que escreveram sobre a validade do licenciamento ambiental municipal com base na LC 140, inclusive em zona costeira e mata atlântica - a exemplo dos professores doutores Edis Milaré, Talden Farias, Georges Humbert, Eduardo Bim, Marcelo Buzaglo, Pedro Menezes e outros, afirmam que os municípios devem continuar licenciando, com base na LC 140/11.
Assim sendo, de rigor aos Municípios que, ouvidas suas procuradorias, continuem licenciando com base no art. 23 da Constituição e nos arts. 7, 8 e 9 da LC 140/11 e exorta ao Estado da Bahia e União que respeitem o pacto federativo, a autonomia municipal, o art 23, 30 e 182 da Constituição e as ordens do STF emanadas das ADI citadas.
Salvo contrário, vigerá, na prática, aquela célebre e repetida frase de Otávio Mangabeira: "pense num absurdo, na Bahia - em matéria de licenciamento ambiental - tem precedente".
Georges Humbert
advogado, professor, conselheiro de administração e gestor público e privado, é pós-doutor, doutor e mestre em direito, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade e Vice-Presidente de Sustentabilidade e de Assuntos Regulatórios da Associação Comercial da Bahia. Sócio Fundador de Georges Humbert Advocacia, desde 2010. Entre outros cargos que ocupou, foi membro e presidente do Conslhedo do Postalis - Fundo de Previdência, assessor especial da SG-Presidência da República, assessor especial da Presidência dos Correios, Membro do Governo de Transição da Presidência da República, Gerente do Ministério do Meio Ambiente, Superintendente de Políticas Ambientais do Estado de Goiás, Membro do Comitê de Logística e Serviços Postais da PPI da Casa Civil da Presidência da República, membro da Câmara Florestal do Ministério da Agricultura, membro da Câmara Florestal e da Indústria de Papel e Celulose do Estado da Bahia, membro da Comissão de Meio Ambiente, de Direito Administrativo, de Direito Urbanístico e da Comissão de Transparência da OAB, entre outras comissões.
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