Resolução 237 Conama é ilegal, antidemocrática e não se aplica ao licenciamento ambiental?
- Georges Humbert
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Georges Humbert. Advogado com mais de duas décadas de experiência Pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra – Portugal. Doutor e mestre em direito do estado pela PUC-SP. É presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IBRADES, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e membro do Conselho da Reserva da Biosfera do Estado da Bahia. Foi Superintendente de Patrimônio da União, Gerente de Projetos do Ministério do Meio Ambiente, Assessor Especial Secretaria-Geral da Presidência da República, Superintendente de Políticas Ambientais de Goiás, membro do CONAMA, do Conselho de Respostas a Desastres do Conselho de Governo da Presidência da República, do da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da OAB-BA, da Comissão de Transparência da OAB-BA, Conselho de Meio Ambiente da FIEB e da Câmara Florestal do Brasil e da Bahia.
A competência material ou administrativa para proteção do meio ambiente estão fundamentadas nas disposições normativas na Constituição Federal de 1988, art. 23, na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981) e na Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011. Contudo tem sido utilizado, como a maior referência normativa na matéria a famigerada Resolução CONAMA nº 237/97. Afinal, esta é ilegal, antidemocrática e não se aplica ao licenciamento ambiental?
O CONAMA é Conselho Nacional de Meio Ambiente, e corresponde ao órgão consultivo e deliberativo do Poder Executivo União, parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA. Através da Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, editou as normas gerais de licenciamento ambiental para todo o território nacional, estabelecendo os níveis de competência federal, estadual e municipal, de acordo com a extensão do impacto ambiental.
Portanto, por sua natureza, não pode produzir normas com efeitos de lei ou decreto, como faz a 237, muito menos que atinjam outros entes que não pertence, como os Estados e Municípios, que, por autonomia, não hierarquia e independência, tem seus próprios conselhos. Isto, ou seja, a natureza de sub-órgão auxiliar do Poder Executivo da União, é suficiente para afirmar que é inconstitucional (não tem poder legislador e nem regulamentador e não pode interferir em outros poderes e entes), ilegal (porque resolução não é lei), antidemocrática (viola o sistema republicano e a legalidade) e não se aplica ao licenciamento ambiental (ao menos dos estados e municípios que tem conselhos ambientais e procedimentos de licenciamento próprios).
A grave ver juízes, promotores, advogados, governadores, prefeitos, secretários de governos e agentes públicos invocando respluções do Conama como se fossem leis ambientais e contra leis ambientais. No caso da 237 ela vai contra o que disciplina a Lei Complementar 140/11 e várias leis estaduais e municipais que tem autonomia para legislar sobre processo de licenciamento. É grave ver o STF dizer que desobedecer a 237 é retrocesso, uma vez que ela é velha, desatualizada, contra a lei e, pior, cria o licenciamento trifásico, que não existe em lugar nenhum do mundo, viola os princípios da legalidade, eficiência, economicidade, razoável duração do processo e sustentabilidade, já que coloca o país em desvantagem econômica, social e de equilíbrio ecológico.
Ora, conforme a Lei nº 6.938/1981, art. 6º o CONAMA é o Conselho Nacional de Meio Ambiente, e corresponde ao órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA que visa auxiliar, estudar e apresentar ao Conselho de Governo (órgão superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente), norteadores de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, e determinar, de maneira adstrita a sua competência, bem como detalhadamente e tecnicamente, padrões compatíveis aos atos normativos legais do Congresso Nacional efetivadores dos princípios da proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
Da simples leitura deste dispositivo, verifica-se, sem maior esforço, que o mesmo não pode legislar, não pode criar regras e deve recomendar padrões adstritos a lei, para que o Poder Executivo Federal possa editar Decretos para a fiel (não a contraditória, destoante e infiel) execução da lei (jamais acima e contra esta). Ademais, é órgão federal, subordinados a este, pelo que seus atos não podem ser produzidos para fora (externa corporis) de um dos entes da federação, qual seja, a União.
Isto é básico do direito constitucional brasileiro. Deriva do art. 1º ao 5º da Constituição, que determinam que ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei (resolução não é lei), que não há hierarquia entre União Estados e Municípios, que deve nosso estado é republicado e democrático, baseado na soberania popular (no caso, ao editar resoluções com forca de lei, o CONAMA age de modo autoritário, usurpador, antidemocraticamente e contra a soberania popular, pois é órgão sem legitimidade do voto do povo).
Ademais, estas e outras famigeradas resoluções do CONAMA costumam violar o art. 84 da Constituição, pelo qual compete ao Chefe do Executivo, e tão somente a este, a prerrogativa de, legitimado pelo voto popular, editar Decreto para regulamentar a Lei. Viola, ademais, os princípios da administração, notadamente o da legalidade, pois que o CONAMA só poderia fazer aquilo que lhe é outorgado por lei, e produzir ato normativo não lhe é afeto, agindo, assim, em caráter inconstitucional e usurpador, em violação a um manancial de dispositivos constitucionais.
Se isso não bastasse para fulminar a constitucionalidade da exorbitante e ilegal disposição do Decreto em debate, o Artigo 84, também violado na espécie, deixou determinado de modo claro que: “compete privativamente ao Presidente da República: IV – Sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.”
Retoma-se, aqui, a lição comezinha do saudoso jurista Geraldo Ataliba, o Poder Regulamentar é “faculdade que ao Presidente da República – ou chefe do Poder Executivo, em geral, Governador e Prefeito – a Constituição confere para dispor sobre medidas necessárias ao fiel cumprimento da vontade legal, dando providências que estabeleçam condições para tanto. Sua função é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho administrativo, para bem observá-la”. E arremata: “legislar e regulamentar leis são funções que a Constituição pôs em regras de competência de um e outro poder.” (ATALIBA, Geraldo. Decreto Regulamentar no Sistema Brasileiro.Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1969, p. 23).
No mesmo sentido é o ensinamento insuperável de Pontes, outro lumiar do direito: “Regulamento é ato administrativo normativo, veiculado por decreto, expedido no exercício da função regulamentar, contendo disposições, dirigidas aos subordinados do editor, regulando (disciplinando) o modo de aplicação das leis administrativas, cuja execução lhe incumbe” (MIRANDA, Pontes de.Comentários a Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969. Tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1987).
Assim também sustenta o festejado e emérito professor da PUC-SP, Celso Antônio Bandeira de Mello que “inovar que dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da ‘lei regulamentada’, verificando-se inovação proibida toda vez que não seja possível ‘afirmar-se que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição incidentes sobre alguém não estavam estatuídos e identificados na lei regulamentada” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato Administrativo e Direito dos Administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 98).
Ocorre, ademais, que, além de ilegais, inconstitucionais, arbitrarias e antidemocráticas, no ambiente da forma, a resolução CONAMA em debate (e tantas outras), também é viciada do ponto de vista substancial, isto é, técnico jurídico de conteúdo. Primeiro, pois versam matérias já superadas por lei posterior, no caso a LC 140/11 e outras estaduais e municipais. Segundo, porque o impacto jurídico, técnico e regulatório de sua retirada já é realidade em países com IDH e demais índices sociais, econômicos e ambientais mais evoluídos.
Noutro giro, ao contrário do que prega o sensacionalismo e ideologia ambientalista, do ponto de vista da ética e da verdade fática, democrática e jurídica, é preciso deixar bem claro que permanece hígida a proteção ambiental pela LC 140, normas estaduais e municipais, bem como pela lei de crimes ambientais, código florestal, lei da mata atlântica e tantas outras. O Brasil tem excesso de normas ambientais, eficazes. Não é esta e outras velhas, inconstitucionais, antidemocráticas e ilegais resoluções Conamas que garantem a sustentabilidade do país, atos ambientalistas ultrapassados, do século passado, exclusivos do Brasil, incompatíveis não somente ao ordenamento jurídico, mas também com tempo atual, onde há zoneamento, rastreamento e georreferenciamento por satélite, internet, monitoramento em tempo real, celulares e outras tecnologias.
Por tudo isso, sobretudo por questão democrática, constitucional, republicana, de legalidade e sustentabilidade, a Resolução 237 Conama é ilegal, antidemocrática e não se aplica ao licenciamento ambiental. Com a nova lei geral de licenciamento, recentemente aprovada na Camara e em tramitação no Senado, espera-se que o Brasil evolua, juridica e sustentávelmente, para fazer valei a Constituição, a Lei e a democracia participativa e representativa, em detrimento de meia dúzia de burocratas, políticos não eleitos, militantes, Ong e afins, autores das "natimortas resoluções normativas do Conama" - na feliz acepção do festejado professor Edis Milaré.
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