Demora injustificada ou por perseguição no processo administrativo: providências e responsabilidades
- Georges Humbert

- 25 de jul.
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Quem nunca se deparou com um processo de obtenção de alvará, autorização, licença, aforamento, enfim, um processo junto ao poder público que não anda ou nunca acaba? Ou mesmo que, a todo tempo, vem uma nova notificação, pedindo algo diferente e que já deveria ser solicitado? Ou quando o seu processo tem tratamento diferente do outro similar de um vizinho, amigo ou conhecido? Pior ainda: quando apenas certos representantes (despachantes, intermediários, procuradores ou advogados) conseguem fazer o processo “andar” e outros são prejudicados? Tudo isso tem jeito e correção, pelas vias democráticas, lícitas e adequadas.
O art. 37 da Constituição, juntamente com as leis de processo administrativo, de liberdade econômica, de improbidade administrativa e de introdução ao direito brasileiro protegem o cidadão cujo processo não segue a razoável duração, a igualdade de tratamento, a economicidade, a eficiência o devido e justo processo legal. A demora injustificada em um processo administrativo pode ser contestada junto à Corregedorias, Ouvidorias, Tribunais de Contas, Ministério Público e Judicialmente, buscando a conclusão do processo em prazo razoável. A administração pública tem o dever de analisar os processos com eficiência e dentro de prazos razoáveis, e a demora excessiva pode violar princípios constitucionais e gerar prejuízos ao cidadão.
Caso a admistração pública e os servidores não cumpram esses deveres, o cidadão pode adotar uma série de providências. Pode-se solicitar à administração pública, via ouvidoria, corregedoria e superior hierárquico, a apuração do caso, a conclusão do processo, indicando a demora excessiva e o prejuízo causado, a ser ressarcido pelo poder público e pelo próprio servidor, que também deve ser punido, desde a advertência, até a perda do cargo. Outro instrumento é o Mandado de Segurança, buscando a tutela jurisdicional para compelir a administração a analisar o processo, sob pena de multa diária, a ser paga pelo próprio servidor que deu causa ao atraso, como vem decidindo os tribunais. Em situações em que a demora injustificada cause prejuízos financeiros ou morais, pode-se buscar indenização na esfera judicial. Em casos mais graves, pode haver denúncia no Ministério Público, com penas de improbidade e até prisão.
Algumas decisões, neste sentido, são pedagógicas:
TJ-RN Mandado de Segurança Com Liminar n° 2017.015592-9. A demora injustificada na análise de um pedido administrativo viola os princípios da eficiência e da razoável duração do processo, ressaltou o desembargador Cornélio Alves, do Tribunal de Justiça do RN, ao julgar Mandado de Segurança impetrado por servidor lotado na Secretaria Estadual de Saúde Pública, que está sem o devido enquadramento funcional há quase três anos. O entendimento segue jurisprudência já firmada pela Corte. Com a decisão, o secretário estadual de Saúde Pública deverá adotar as providências necessárias para conclusão do Processo Administrativo nº 30635/2015-4, no prazo de 90 dias. O descumprimento injustificado da determinação judicial, no prazo assinalado, resulta na na incidência de multa diária no valor e pessoal de R$ 500 até o limite de R$ 10 mil. De acordo com o processo, o servidor assinou requerimento administrativo de enquadramento no Plano de Cargos Carreira e Remuneração – PCCR, Lei Complementar nº 333/2006, alterado pela Lei Complementar nº 511/2014, sob o número 30635/2015-4, junto à referida Secretaria Estadual. Alegou assim que a Sesap não analisou o pedido de enquadramento funcional feito há três anos, referente à progressão a qual tem direito há dois anos e sete meses. “Desse modo, em exame não conclusivo, verifico o preenchimento dos requisitos exigidos pela legislação aplicável ao caso (artigo 7°, inciso III, da Lei nº 12.016/2009)”, destaca o voto.
TRF-1 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA (AMS): AMS XXXXX2007401360 Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE CRÉDITOS DE IPI. DEMORA INJUSTIFICADA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é consequência dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. 2. A demora injustificada na análise de pedido formulado pelo administrado configura ato ilegal que autoriza a atuação judicial e a imposição de prazo razoável para a conclusão do processo administrativo. 3. Remessa oficial a que se nega provimento.
TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX20214036141 SP Ementa: E M E N T A MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEMORA INJUSTIFICADA DA AUTARQUIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO. LEI Nº 9.784 /1999. 1. O artigo 5º em seu inciso LXXVIII, da Constituição Federal , estabelece como direito fundamental a duração razoável do processo tanto administrativo como judicial com o objetivo de atender adequadamente as necessidades sociais. A omissão administrativa configura afronta à regra legal e aos princípios administrativos preconizados no artigo 37 , caput, da Constituição Federal . 2. Os artigos 48 e 49 , da Lei Federal nº 9.784 /99, dispõem que a Administração Pública deve emitir decisão nos processos administrativos, solicitação e reclamações em no máximo 30 dias. 3. Não se pode permitir que o aspecto temporal da conclusão dos processos fique condicionado unicamente ao arbítrio da administração pública. Assim, legitima-se a análise casuística pelo Poder Judiciário quando houver demora injustificada no processamento dos pedidos de benefício pela autarquia previdenciária. 4. In casu, o recorrente protocolou em 25/12/2020 requerimento de auxílio-doença, tendo sido realizada a perícia em 14/01/2021 e até o momento não há notícia de que seu pedido fora analisado, restando evidente que foi ultrapassado os limites do tempo razoável para tal, razão pela qual a reforma da r. sentença é medida que se impõe. 5. Concedida a ordem para determinar à autoridade impetrada que analise de forma conclusiva o pedido de concessão de auxílio-doença NB: 633.395.868-2 requerido pelo impetrante, no prazo de 30 dias. 6. Apelação provida.
TJ-GO - Apelação / Reexame Necessário XXXXX20178090051 GOIÂNIA Ementa: REEXAME NECESSÁRIO, DUPLA APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA C/C COBRANÇA C/C INDENIZATÓRIA. DEMORA INJUSTIFICADA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA E REENQUADRAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO DO DETRAN/GO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DETRAN/GO E DO ESTADO DE GOIÁS. CONCESSÃO PARCIAL DOS PLEITOS AUTORAIS NA SEARA ADMINISTRATIVA. MANUTENÇÃO DO INTERESSE PROCESSUAL EM RELAÇÃO AOS DEMAIS PEDIDOS. PRELIMINARES AFASTADAS. MÉRITO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL PARA A DEMORA NA ANÁLISE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE DETERMINOU O PAGAMENTO DOS PROVENTOS RETROATIVOS E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ADESIVO INTERPOSTO CONTRA LITISCONSORTE QUE NÃO RECORREU. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO AUTÔNOMO.
Como se vê, cidadão deve buscar a apuração e não arrefecer. A Constituição Federal coloca em grau fundamental e prevalente, no art. 5º, a garantia de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Por sua vez, a Lei nº 9.784/99, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, prevê princípios e prazos que visam garantir a eficiência e a razoável duração do processo. O art. 49 da Lei nº 9.784 /1999 fixa o prazo de até 30 dias para que a Administração Pública decida a questão posta em processo administrativo, salvo se houver motivo que justifique de maneira expressa a prorrogação do referido lapso temporal.
Já a Lei de Liberdade Econômica, sancionada em 2019, institui a Declaração de Direitos de Liberdade econômica, bem como, uma série de outras medidas, relacionadas à garantia do livre mercado. Pelo Art. 3º, “ São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal , …ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei;”. Além disso, pelo art. 4°, é vedado o “abuso do poder regulatório”.
Nessa toada, a LLE positivou as hipóteses de abuso regulatório, tal como: (i) criar reserva de mercado, favorecendo a regulação de algum grupo econômico, ou profissional; (ii) redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado; (iii) criar demanda artificial ou compulsória, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros; (iv) criar limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas.
Além disso, é dever da Administração Pública e das demais entidades que se sujeitam à LLE: (i) dispensar tratamento justo, previsível e isonômico entre os agentes econômicos; (ii) proceder à lavratura de autos de infração ou aplicar sanções com base em termos subjetivos ou abstratos somente quando estes forem propriamente regulamentados por meio de critérios claros, objetivos e previsíveis; e (iii) observar o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração decorrentes do exercício de atividade considerada de baixo ou médio risco.
Não é só. Sob a ótica da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e da Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784/99), a LINDB, especialmente com as alterações da Lei nº 13.655/18, enfatiza-se a importância de considerar as consequências práticas das decisões administrativas e a razoável duração do processo, bem como a responsabilidade dos servidores. A LINDB, em seu art. 20, exige que os órgãos julgadores, incluindo os administrativos, considerem as consequências práticas de suas decisões. Isso significa que a lentidão excessiva em um processo, que acarrete prejuízos significativos ao administrado ou à Administração, pode ser um fator a ser considerado na análise da legalidade da decisão e punição daqueles que deram causa.
Confira-se, por todos, o que determina o art. 20 da lei supracitada: “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” e “A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”
Com base nisso, já estabeleceu o TCU que “a conduta desse responsável foge do referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação. Tratou-se, a meu ver, de erro grosseiro, que permite que os agentes respondam pessoalmente por seus atos, nos termos do art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com redação dada pela Lei 13.655/2018): “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” (Ac 1628/2018 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Benjamin Zymler).
Finalmente, Código de Processo Civil, aplicado ao processo administrativo, determina, no Art. 4º, que “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (...)”, sendo que, pelo Art. 6º “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (...)”, sendo que as autoridades, pelo art. 8° “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”
Desta forma, quando houver morosidade não recorra a facilidades ou ceda a indicações “heterodoxas”, digamos, principalmente para trocar ou culpar seu despachante, procurador ou advogado. Acione o superior hierárquico, a ouvidoria, a controladoria, os Tribunais de Constas, o MP e o Judiciário. A morosidade administrativa,a decisão desigual, em casos similares no mérito, mas diferente apenas entre partes, procuradores e advogados, ou mesmo contra lei, pareceres jurídicos do próprio órgão, significa desrespeito às normas da Lei 9.784 /99 e aos princípio da eficiência, da legalidade, moralidade, impessoalidade, probidade (art. 37 da CF/88 ) e razoável duração do processo administrativo e da celeridade de sua tramitação (ar.5º, LXXVIII), bem como das normas infraconstitucionais aqui analisadas, conforme doutrina e jurisprudência sólidas. As consequências são civis, esta objetiva, administrativas, por improbidade e criminais para quem age ao arrepio deste plexo normativo e dos legítimos direitos do cidadão.





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