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(Im) possibilidade da penhora sobre direito de ocupação e aforamento em área da União

O presente artigo visa esclarecer se é possível penhorar ou impor outras restrições ao direito de ocupar, usar e gozar dos denominados terrenos de marinha da União, que estejam em posse de terceiros, submetidos à cobrança de dívidas particulares.


Importa, inicialmente, esclarecer que a União tem o domínio, parte essencial do direito de propriedade, dos denominados terrenos de marinha. Estes são faixas de terra situadas na costa e margens de rios e lagos, cuja propriedade é da União, e que se estendem por 33 metros a partir da linha da maré alta de 1831 em direção ao continente. Esses terrenos são áreas de interesse para a União, historicamente por razões de defesa e atualmente com foco na gestão patrimonial e arrecadação de taxas.


A ocupação e o aforamento são formas distintas de posse de imóveis da União, como terrenos de marinha. A ocupação é um regime mais precário, onde a União tolera o uso do imóvel, enquanto o aforamento confere ao particular um direito real sobre o imóvel, mediante o pagamento de uma taxa anual (foro).


Além disso, para se chegar a uma resposta científica ao problema proposto, necessário se faz aplicar a noção de propriedade e seu regime jurídico. A o direito de propriedade imobiliária, como no caso dos terrenos, pode incidir sobre bens públicos e privados, com regimes jurídicos diferentes. No primeiro, é uma das notas características e impenhorabilidade. 


Isto posto, sabe-se, também, que o direito de propriedade como o direito que comporta, nos limites da Constituição e da lei, outros direitos inerentes, notadamente o de (i) dispor; (ii) usufruir e (ii) determinar o que é feito com um bem. Maria Helena Diniz clarifica como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”.


Portanto, quanto ao uso e ocupação - que se aplica no caso dos terrenos de marinha, constitui-se no direito de usufruir de um bem ou colocá-lo à disposição de outra pessoa, sem que esta possa modificar a substância dele. Por exemplo, se alguém é proprietário de um imóvel, pode optar por usufruir dele, emprestá-lo ou alugá-lo, com direito sobre os frutos ou rendimentos que esse bem fornece sendo dividido ou exercido por terceiros. Por fim, o dispor é o direito que mais expressa o domínio/posse sobre o bem. Significa que você pode optar por vendê-lo, doá-lo ou trocá-lo, em sua plenitude, de forma definitiva, não apenas transferindo a posse, a ocupação, o uso, mas todo o conjunto que compõe a plenitude do direito de propriedade.


No contexto, existem os direitos de utilização dos bens imóveis da União, sejam construções, terras, águas ou florestas públicas podem ser destinados pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a agentes públicos ou privados, visando efetivar a função socioambiental desse patrimônio.  Para tanto, há diferentes instrumentos para realização dessa transferência de direitos. A aplicação do instrumento depende da vocação de cada imóvel para a cidade onde está inserido, e do interesse público na utilização proposta por agentes públicos e privados.


Com estas noções jurídico-científicas, extraídas da Constituição, do Código Civil e demais normas aplicáveis, pode se chegar a uma primeira conclusão: o que é impenhorável é o domínio pleno de bem da União. Contudo, o direito de aforamento ou ocupação, isto é, o de usar e gozar, destinado a um particular, se submete a constrição, como todo e qualquer direito particular com valor econômico. Significa que, da ordem jurídica posta, tem-se que um sujeito pode ter direito de usar e gozar um bem da União, e este direito terá um valor jurídico e econômico.


Deste modo, numa ação de execução (arts. 771 e seguintes do CPC/15) ou em cumprimento de sentença (arts. 513 e seguintes do CPC/15), é possível haver a penhora sobre a posse de um imóvel do devedor executado, mesmo que o domínio do mesmo ainda seja da União – tendo em vista este conteúdo econômico dos direitos possessórios, que fazem com que a posse integre o patrimônio do devedor.


Os direitos possessórios do devedor sobre o imóvel integram seu patrimônio jurídico, tem expresso e manifesto conteúdo econômico, natureza pecuniária e valorização monetária, sendo objeto de negócios jurídicos, de sorte que é lícito afirmar que a penhora deve recair sobre tais direitos. Tanto é assim, que o XIII do artigo 835 do Código de Processo Civil como fundamento legal a permitir a penhora da posse, por possibilitar a “penhora sobre outros direitos”. Por decorrência jurídica teleológica e sistemática, como os direitos do titular da posse imobiliária, inclusive da União, têm repercussão econômica, então a constrição patrimonial pode incidir sobre tais direitos, à luz dos expressos termos do art. 8355, inc. XIII,CPC.


Claro que, na hipótese em debate, a penhora recairá sobre os direitos possessórios do devedor e não sobre o imóvel em si. É o caso, por exemplo, de executados que são titulares de aforamento ou ocupação de imóvel da União, ou, noutro giro, promitentes compradores de bem imóvel, herdeiros cujo inventário ainda não se finalizou, dentre outros.


Neste sentido, jurisprudência remansosa e pacífica de todos os tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ):


RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TAXAS DE CONDOMÍNIO. PENHORA SOBRE IMÓVEL SITUADO EM CONDOMÍNIO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 13/STJ. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Tratando-se de imóvel situado em condomínio irregular, a penhora não recairá sobre a propriedade do imóvel, mas sobre os direitos possessórios que o devedor tenha. 2. O artigo 655, XI, do Código de Processo Civil prevê a penhora de direitos, o que autoriza a constrição do direito possessório, em especial nas situações em que o direito possui expressão econômica e integra o patrimônio do devedor....(Recurso Especial nº 901906/DF (2006/0248339-2), 4ª Turma do STJ, Rel. João Otávio de Noronha. j. 04.02.2010, unânime, DJe 11.02.2010)

Haja vista seu conteúdo econômico, em princípio, os direitos possessórios penhorados de um imóvel podem até mesmo ser alienados, nos termos do art. 879 do CPC/15 (leilão judicial ou iniciativa particular) ou, antes desta alternativa, sofrerem adjudicação, por força do art. 876 do CPC/15. Pode-se pensar até mesmo na locação do bem para que desta posse advenham frutos a suprirem o crédito executado (art. 834 do CPC/15). 


Desta forma, penhorada a posse, esta deve se prestar a converter em valores para pagar a dívida executada, inclusive mediante alienação em hasta pública para este fim, com a devida interveniência da União a qual pode ser convalidada quando a mesma realiza os acertos cadastrais e financeiros em favor do novo titular do aforamento ou da ocupação.


A justiça do Trabalho também vai neste sentido:


AGRAVO DE PETIÇÃO. PENHORA SOBRE DIREITO POSSESSÓRIO. A possibilidade de penhora efetuada sobre direitos e ações de bem imóvel, e não necessariamente sobre o próprio imóvel, está assegurada no artigo 11, inciso VIII, da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) e artigo 835, inciso XIII do CPC, aplicados subsidiariamente à execução trabalhista. Os direitos possessórios sobre imóvel do qual detém a posse são passíveis de alienação pelo possuidor, sendo inegável que o bem ostenta substancial valor econômico. (...) Os documentos juntados pelo Agravante se prestam a evidenciar a natureza da posse que o executado mantém sobre o imóvel, de molde a permitir a penhora dos direitos possessórios que por ventura venha a deter sobre o bem. Agravo a que se dá provimento.

(TRT-1 - AP: 01723000819865010033 RJ, Relator: Mario Sergio Medeiros Pinheiro, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/12/2017)


Por fim, vale ressaltar que a posse e ocupação de bem público exercida de boa-fé gera para o seu titular o direito a indenização justa, prévia e em dinheiro, caso haja reversão desta, seja pela própria União ou por uma decisão judicial, hipótese em que o titular deste direito eventualmente adjudicado em hasta pública somente pode ser retirado do mesmo após receber a quantia que investiu, e mesmo, em alguns casos, os lucros cessantes, outros danos materiais e morais, pois que confiou na União e no Poder Judiciário ao arrematar ou adjudicar direitos sobre a propriedade.


Diante o exposto, conclui-se que existe a possibilidade da penhora de bem possessório de acordo com o que está assegurado no artigo 11, inciso VIII, da Lei nº 6.830 /80 (Lei de Execução Fiscal) e artigo 835 , inciso XIII do CPC, aplicados subsidiariamente, inclusive, à execução trabalhista.


Georges Humbert, advogado, professor, conselheiro de administração e gestor público e privado, é pós-doutor, doutor e mestre em direito, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade e Vice-Presidente de Sustentabilidade e de Assuntos Regulatórios da Associação Comercial da Bahia. Sócio Fundador de Georges Humbert Advocacia, desde 2010. Entre outros cargos que ocupou, foi membro e presidente do Conslhedo do Postalis - Fundo de Previdência, assessor especial da SG-Presidência da República, assessor especial da Presidência dos Correios, Membro do Governo de Transição da Presidência da República, Gerente do Ministério do Meio Ambiente, Superintendente de Políticas Ambientais do Estado de Goiás, Membro do Comitê de Logística e Serviços Postais da PPI da Casa Civil da Presidência da República, membro da Câmara Florestal do Ministério da Agricultura, membro da Câmara Florestal e da Indústria de Papel e Celulose do Estado da Bahia, membro da Comissão de Meio Ambiente, de Direito Administrativo, de Direito Urbanístico e da Comissão de Transparência da OAB, entre outras comissões.

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