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Litigância ou consensualidade climática?




O litígio, no Direito, é expressão que denomina a existência de conflito entre as partes, que pode se dar no plano extrajudicial, administrativo, ou judicial. O Brasil é recordista nessa matéria, sendo um dos países que tem o maior estoque de processos judiciais do planeta e dos que mais recebe causas por ano, para muito além da capacidade de atendimento da estrutura possível. Neste contexto, deve-se priorizar a litigância climática como forma de manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para presentes e as futuras gerações?


No Brasil e no mundo, a litigância climática apresenta-se como uma estratégia promissora para compelir e impulsionar as grandes empresas, indústrias e, principalmente, o poder público em sua função legislativa e executiva, a assumirem e se responsabilizarem pelo controle e impactos do aquecimento global antropogênico e mudanças climáticas. Esbarra em limites, como o excesso de processos e consequente demora de solução litigiosa dos conflitos, a demora, a incerteza, a não predominância de soluções técnicas, precificas, com impactos financeiros e regulatórios mensuráveis, pedidos imprecisos, decisões confusas e até mesmo as manobras ou chicanas processuais.


Por outro lado, a despeito de pouco utilizada, sobretudo nas questões ambientais, a consensualidade é estimulada e recorrentemente disciplinada pelo direito brasileiro, seja nas relações privadas, com a arbitragem e as tradicionais audiências prévias de conciliação, seja em matéria de interesse público, difusos e coletivos, como na espécie em debate, a teor da própria lei que rege à ação civil pública (Lei nº 7.347/85), e os conhecidos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), conforme estabelece o artigo 5º, § 6º.

Com efeito, a denominada administração pública consensual tem fundamento na baseada República Federativa do Brasil, notadamente no que tange à sustentabilidade, cidadania, da pessoa humana, nos objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, incluídos no artigo 3º da Constituição, bem como na garantia constitucional à razoável duração do processo, do artigo 5º da Constituição, bem como na eficiência administrativa, do artigo 37, com respaldo expresso no Código de Processo Civil (CPC), que prevê ser dever do Estado, sempre que possível, adotar a solução consensual dos conflitos, estimulando o uso da conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de litígios (artigo 3º, §§ 2º e 3º).

Constata-se, a cada dia, mais e mais questões litigiosas climáticas, sem êxito, ao menos no tempo, forma, proporção e medidas que se necessita. As providências litigiosas não resolveram, foram mal sucedidas, mal feitas ou não foram adotadas em questões ambientais e climáticas graves. Veja-se o caso dos lixões. É crime, há décadas. Há prazo para que fossem encerrados, mais uma vez adiado, para 2024. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 32 mil pessoas viverem em situação de rua no país. Mais de 11 milhões de pessoas vivem em favelas ou em moradias consideradas precárias. Morrem em desabamentos, anos após anos. Mais de cem milhões não tem água potável e esgoto. As tragédias de Maceió, Mariana, Santo Amaro (BA) e outras ainda estão produzindo seus efeitos nefastos.

Nada disso foi ou está sendo resolvido, a contento, pela "estratégia da litigância climática". Já na tragédia de Brumadinho, por exemplo, e em outras em que a consensualidade, em detrimento da litigância, foi o mecanismo de tutela predominante, esta se revelou mais adequada, célere e capaz de minimizar e, alguns casos, imediatamente reparar ou mesmo evitar o colapso ecológico, com afetação na qualidade da vida humana e dos ecossistemas, cumprindo a sustentabilidade, valor jurídico estruturante e transversal do estado democrático de direito e princípio filosófico basilar para manter as condições de habitação do planeta Terra.

Por estas razões, lógicas, estatísticas, científicas e de direito, alarmar a questão climática e usar a litigância como principal estratégia de pressão para uma solução, além de causar descrédito e banalizar essa importante questão, gerar riqueza, notoriedade ou mesmo fama para uns poucos, não traz os resultados necessários para assegurar a sadia qualidade de vida agora e para o futuro. Há dezenas de outras ferramentas e instrumentos mais eficazes e eficientes, como a consensualidade, notadamente quando incluem ações reparatórias, indenizatórias e, sobretudo, prestígio a acordos e compromissos para o desenvolvimento de tecnologias e ações sustentáveis, que promovam o desenvolvimento social, econômico, com o menor impacto ambiental possível.

Desta forma, propõe-se que é preciso, ou melhor, dever constitucional e legal, mudar o foco. A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações é dever e direito fundamental. Mitigar, compensar ou impedir atos de desequilíbrio não podem esperar as eternas lides, sendo o primeiro e inadiável passo chegar ao consenso de quanto e quando o mundo desenvolvido pagará pelo que já causou e continuar a causar de degradação, com reflexo em todo o mundo, em especial o que devem ao Brasil e a outros países em desenvolvimento que garante a sustentabilidade, a segurança alimentar, de biodiversidade e hídrica do Planeta, enquanto seus filhos ainda andam distantes do mínimo essencial à dignidade da pessoa humana, pois morrem de fome, de sede, medo, de violência, de analfabetismo, de desemprego e por não ter onde morar ou mesmo realizar suas necessidades fisiológicas mais básicas.


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