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Revogação de resoluções Conama: sensacionalismo ambientalista e desconhecimento constitucional

Essa semana se iniciou com ataques ao CONAMA, ao MMA e ao Governo, por força da revogação das natimortas resoluções números 302 e 303 de 2002 daquele órgão federal. Os ataques infundados e meramente ideológicos vão do vazio ?passou uma boiada?, perpassando o ?APP, mangues e restinga ficaram desprotegidas? ao ?precisava de análise de impacto regulatório?. Revelam sensacionalismo ambientalista (confiram, sobre o tema, o nosso https://direitoambiental.com/sensacionalismo-ambientalista) e desconhecimento constitucional (confiram o nosso ?Direitos Difusos e Coletivos, Ed . D?Pplacido, 2019), que prestam desserviço ao nosso povo, nação e estado soberano. Ora, conforme a Lei n° 6.938/1981, art.6º, inc. II, o CONAMA é o Conselho Nacional de Meio Ambiente, e corresponde ao órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional de Meio Ambiente ? SISNAMA que visa auxiliar, estudar e apresentar ao Conselho de Governo (órgão superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente), norteadores de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, e determinar, de maneira adstrita a sua competência, bem como detalhadamente e tecnicamente, padrões compatíveis aos atos normativos legais do Congresso Nacional efetivadores dos princípios da proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Da simples leitura deste dispositivo, verifica-se, sem maior esforço, que o mesmo não pode legislar, não pode criar regras e deve recomendar padrões adstritos a lei, para que o Poder Executivo Federal possa editar Decretos para a fiel (não a contraditória, destoante e infiel) execução da lei (jamais acima e contra esta). Ademais, é órgão federal, subordinados a este, pelo que seus atos não podem ser produzidos para fora (externa corporis) de um dos entes da federação, qual seja, a União. Isto é básico do direito constitucional brasileiro. Deriva do art. 1º ao 5º da Constituição, que determinam que ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei (resolução não é lei), que não há hierarquia entre União Estados e Municípios, que deve nosso estado é republicado e democrático, baseado na soberania popular (no caso, ao editar resoluções com forca de lei, o CONAMA age de modo autoritário, usurpador, antidemocraticamente e contra a soberania popular, pois é órgão sem legitimidade do voto do povo). Ademais, estas e outras famigeradas resoluções do CONAMA costumam violar o art. 84 da Constituição, pelo qual compete ao Chefe do Executivo, e tão somente a este, a prerrogativa de, legitimado pelo voto popular, editar Decreto para regulamentar a Lei. Viola, ademais, os princípios da administração, notadamente o da legalidade, pois que o CONAMA só poderia fazer aquilo que lhe é outorgado por lei, e produzir ato normativo não lhe é afeto, agindo, assim, em caráter inconstitucional e usurpador, em violação a um manancial de dispositivos constitucionais. Se isso não bastasse para fulminar a constitucionalidade da exorbitante e ilegal disposição do Decreto em debate, o Artigo 84, também violado na espécie, deixou determinado de modo claro que: ?compete privativamente ao Presidente da República: IV ? Sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.? Retoma-se, aqui, a lição comezinha do saudoso jurista Geraldo Ataliba, o Poder Regulamentar é ?faculdade que ao Presidente da República ? ou chefe do Poder Executivo, em geral, Governador e Prefeito ? a Constituição confere para dispor sobre medidas necessárias ao fiel cumprimento da vontade legal, dando providências que estabeleçam condições para tanto. Sua função é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho administrativo, para bem observá-la?. E arremata: ?legislar e regulamentar leis são funções que a Constituição pôs em regras de competência de um e outro poder.? (ATALIBA, Geraldo. Decreto Regulamentar no Sistema Brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1969, p. 23). No mesmo sentido é o ensinamento insuperável de Pontes, outro lumiar do direito: ?Regulamento é ato administrativo normativo, veiculado por decreto, expedido no exercício da função regulamentar, contendo disposições, dirigidas aos subordinados do editor, regulando (disciplinando) o modo de aplicação das leis administrativas, cuja execução lhe incumbe? (MIRANDA, Pontes de. Comentários a Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969. Tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1987). Neste sentido, sustenta o festejado e emérito professor da PUC-SP, Celso Antônio Bandeira de Mello que ?inovar que dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da ?lei regulamentada?, verificando-se inovação proibida toda vez que não seja possível ?afirmar-se que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição incidentes sobre alguém não estavam estatuídos e identificados na lei regulamentada? (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato Administrativo e Direito dos Administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 98). Ocorre, ademais, que, além de ilegais, inconstitucionais, arbitrarias e antidemocráticas, no ambiente da forma, as resoluções CONAMA em debate (e tantas outras), também são viciadas do ponto de vista substancial, isto é, técnico jurídico de conteúdo. Primeiro, pois regulamentavam matérias já superadas por lei posterior, no caso o Código Florestal. Segundo, porque o impacto jurídico, técnico e regulatório de sua retirada já havia sido apreciado e recomendado por gestões anteriores do Ministério do Meio Ambiente, desde 2015. Terceiro, porque editadas na vigência de lei e MP já revogadas, as quais eram atos assessórios, penduricalhos, estavam vigendo contra a lei e a Constituição. Noutro giro, ao contrário do que prega o sensacionalismo e ideologia ambientalista, do ponto de vista da ética e da verdade fática, democrática e jurídica, é preciso deixar bem claro que permanece hígida a proteção da vegetação de APP, restinga e de mangues que se supõe ameaçada pela revogação. Como bem posto em nota publica deste portal (https://direitoambiental.com/nota-publica-sobre-a-revogacao-das-resolucoes-conama-n-302-e-303/), a qual subscrevemos, é falsa e equivocada a premissa de que tal acertada deliberação do Conama estaria a deixar ecossistemas desprotegidos. Tanto a vegetação de restinga, quanto os mangues possuem regramentos protetivos pelas Leis números 12.651/2012 (conhecida como Código Florestal) e também pela Lei da Mata Atlântica, n. 11.428/2006. Ou seja, continuam sendo ecossistemas protegidos. Outro argumento falacioso seria a suposta ausência de estudo impacto regulatório. Equivocado, pois não se estuda impacto de norma flagrantemente normal e ilegal. Tem que retirar a mesma do mundo jurídico, o quanto antes. Depois, a Lei de Liberdade Econômica que introduziu este dispositivo, veio para desburocratizar, não para criar obstáculo para retirada de normas ilegais, inconstitucionais e burocráticas. Tanto é que, no seu art. 5, determinou que só cabe este estudo para novas normas, não para retiradas de velhas caducas, para temas eminentemente econômicos ou de serviços públicos a usuários. Da leitura do texto legal, tem-se que ?As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.? De clareza solar não se aplica ao caso concreto, seja pela retirada de norma inconstitucional, seja pela ausência de impacto econômico a gerar custos para quem quer que seja, muito menos para usuários de serviços públicos, seja porque, como dito, desde 2015 o tema vem sido estudado e a revogação recomendada. Demais disso, o Decreto nº 10.411/2020, que regulamentou o tema, determina que tais avaliações só passarão a ser exigidas a partir de 2021, sendo essa tese mais um mito do direito ambiental brasileiro (sobre o tema, consulte o nosso artigo https://direitoambiental.com/os-quatro-mitos-do-e-no-direito-ambiental-brasileiro/ e o nosso artigo https://direitoambiental.com/principios-da-vedacao-ao-retrocesso-e-prevalencia-da-norma-mais-restritiva-mais-dois-mitos-do-direito-ambiental/). Portanto, as resoluções 302 e 303/02 do CONAMA são ?ilegais, inconstitucionais e caducas? Deixemos o CONAMA acertar, providenciando o funeral dos decaídos atos normativos secundários?, como acertadamente disse o professor Edis Milare, o maior jurista do Direito Ambiental Brasileiro, com a independência, ética e correção que lhes são salutares. Em síntese, por violar preceitos fundamentais da república, elevados à condição de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) como a separação dos poderes (art. 1º), democracia representativa (Arts. 1º, 2º, e 84, inc. IV), segurança (art. 5ª) e legalidade (art. 5º, inc. II, e art. 37) da Constituição, entre outros, é grave e flagrantemente inconstitucional manter e aplicar tais resoluções. Desta forma, sob a análise Constitucional, técnica e em favor da preservação dos princípios Republicanos, base do estado democrático de direito em que se constitui a República Federativa do Brasil. Chega de ativismo jurisdicional, midiático e sensacionalismo em detrimento da Constituição, da Separação dos Poderes, da Democracia, da verdade dos fatos e da vontade popular, que beiram uma ditadura mal disfarçada. Georges Humbert ? Advogado e Professor, é pós doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, Doutor e mestre em Direito pela PUC-SP. Foi membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (2019), foi Membro do Comitê de Respostas a Destares do Conselho de Governo da Presidência da Republica (2019), foi assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República (2019) e foi Membro do Grupo de Modernização do Estado do Governo de Transição da Presidência da República (2018-2019). É autor de 18 livros, entre eles, ?Direitos Difusos e Coletivos, pela Editora Plácido e ?Impactos da lei de Liberdade Econômica no Direito Administrativo? , pela Editora Fórum.


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