A Lei 14.119/21 que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais vai ao encontro das mais modernas normas jurídicas em sustentabilidade. Com efeito, tem por finalidade precípua permitir a remuneração de proprietários, empreendedores, pessoas físicas e jurídicas, que possuam ativos ambientais, seja em razão da titularidade de áreas de preservação ou mesmo em razão do exercício de economia circular. Trata-se, portanto, de uma forma de incentivo à conservação e desenvolvimento sustentável pela remuneração em troca do bem preservado, recebida, positivamente, pela comunidade internacional e interna.
“O Brasil é protagonista na prestação de serviços ambientais ao mundo e poderia ser melhor remunerado por outras nações”, afirma o advogado e professor Georges Humbert. O jurista classifica como um avanço a Lei 14.119/21, que regulamenta o pagamento por serviços ambientais, e vê com otimismo o cenário dos próximos anos. “A solução definitiva, a curto prazo, para a justa remuneração dos serviços, ante a pressão por uma vida e um planeta mais sustentável e o reconhecimento de que quem presta serviço ambiental deve ser tão ou mais remunerado que qualquer outro prestador de serviços", defende.
Segundo a lei, pagamento pelos serviços ambientais poderá ser de várias formas, a saber: “direto (monetário ou não); prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; comodato; títulos verdes (green bonds) e Cota de Reserva Ambiental instituída pelo Código Florestal.” Além disso, a nova lei permite que “as receitas obtidas com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, de que trata a Lei 9.433/97, poderão ser usadas para o pagamento desses serviços ambientais, mas dependerão de decisão do comitê da bacia hidrográfica”, além de autorizar que “outras modalidades de pagamento poderão ser estabelecidas por atos normativos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, cabendo a este ser órgão gestor da PNPSA.
Cumpre destacar que, com dez anos de atraso, tal norma agora pode ser instrumento facilitador da concretização dos objetivos já estabelecidos no artigo 41 do Código Florestal de 2012. Outro ponto relevante é que “não poderão receber recursos públicos para financiamento de serviços ambientais pessoas físicas e jurídicas inadimplentes em relação a termo de ajustamento de conduta de compromisso firmado com os órgãos competentes com base nas Leis n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e 12.651 de 25 de maio de 2012 (Código Florestal), bem como não poderão receber tais subvenções referente a áreas embargadas pelos órgãos do Sisnama, conforme disposições também do Código Florestal.”
Por fim, ressalta-se que os contratos privados de pagamento por serviços ambientais deverão conter cláusulas obrigatórias que permitem uma melhor governança da matéria, sua fiscalização, controle e monitoramento, pelo poder público, em razão mesmo do poder geral regulatório e de polícia administrativa ambiental, derivado da própria Constituição e da natureza do bem jurídico envolvido. Além disso, tais contratos fazem obrigação real, sendo, portanto, válido para a propriedade objeto do ajuste, ainda que haja mudança de proprietários.
De positivo, ainda, a derrubada do veto à criação de um órgão colegiado para definir a aplicação de recursos e a criação de um cadastro nacional sobre os pagamentos. Todavia, não se pode olvidar que, a despeito da festejada gestão participativa e democrática, os últimos 35 anos de vigência da democracia brasileira revelam que tais instrumentos não são os mais adequados, eficientes e eficazes, muitas vezes onerosos, lentos, burocráticos e mesmo impeditivos de efetivação dos investimentos em favor da tutela ambiental em concreto.
Lado outro, derrubou-se veto a possibilidade de incentivos tributários adicionais para mudanças que busquem a sustentabilidade ambiental e para quem financiar o programa de pagamento de serviços ambientais, o que, apenas se justificava pelo alegado vício de iniciativa legislativa e ausência de previsão da dotação orçamentária, uma vez que a tributação sustentável é fundamentada na Constituição e vetor de ampla forma de potencializar investimentos verdes, enquanto é fato público e notório a alta carga tributária que assola o país e da qual não se resulta investimentos substanciais no setor de preservação e saneamento ambiental.
Com isso, na forma do art. 17 da multimencionada lei, os valores recebidos a título de pagamento por serviços ambientais, definido no inciso IV do caput do art. 2º desta Lei, não integram a base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), sendo certo que o disposto neste artigo aplica-se somente aos contratos realizados pelo poder público ou, se firmados entre particulares, desde que registrados no CNPSA, sujeitando-se o contribuinte às ações fiscalizatórias cabíveis.
De negativo, é a ausência, ainda, após um ano, de regulamento que venha complementar a lei com as variáveis técnicas de sua incidência, para a fiel e mais potente execução da norma. Outro ponto questionado por parte da doutrina, a exemplo do professor Talden Farias e de Adelmar Azevedo Régis, é que “Importante artigo permitiu o PSA por meio de remuneração monetária com recursos públicos, em Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) e outras sob limitação administrativa, nos termos da legislação ambiental, conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas em bacias hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água, assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou avançada fragmentação. Não parece a opção mais acertada, pois já existia a obrigação legal de respeitar a APP e a RL, de forma que não houve qualquer adicionalidade ambiental, sendo esse, certamente, um dos pontos mais polêmicos da norma”.
À guisa de conclusão, como alertam os professores Georges Humbert e Alexandre Levin, é o PSA “um imprescindível instrumento da política nacional do meio ambiente (Lei 6938/81) para a concretização da obrigação de defesa do meio ambiente. E não é mera faculdade do poder público implementar: é dever-poder, sua obrigação, competência a qual não pode se eximir, a qual pode ser exigida pela coletividade mediante ação civil pública, mandado de injunção ou direito de petição. Portanto, pela nossa ordem jurídica, não se pode postergar a tarefa de aproveitamento racional dos bens ambientais, para assegurar a vida saudável no nosso planeta e ao Poder Público o dever de apor políticas e meios de assegurar a todos um ambiente ecologicamente equilibrado.”
Referências
FARIAS, Talden; Adelmar Azevedo, Régis. Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2021, acesso em Fev. 2022.
HUMBERT, Georges Louis Hage; LEVIN, Alexandre. Curso de Direito Urbanístico e das Cidades Sustentáveis. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2021.
HUMBERT, Georges Louis Hage. Entrevista ao Jornal A Tarde. Salvador, 09 de junho de 2021. In https://atarde.com.br/bahia/georges-humbert-brasil-presta-servicos-ambientais-sem-devida-remuneracao-1159765 Acesso em 15.02.2022.
SIQUEIRA. Raíssa Pimentel Silva. Pagamentos por serviços Ambientais. Conceitos, Regime Jurídico e o Princípio do Protetor-Beneficiário. Curitiba: Juruá Editora. 2018.
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