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Os quatro mitos do e no direito ambiental brasileiro: Risco integral, ônus real, imprescritibilidade

O direito ambiental tem por objeto de estudo as normas, gerais e abstratas (constituições, leis e decretos) e individuais (contratos, atos administrativos, sentenças) que disciplinam e ordenam a tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto interesse, individual, difuso, coletivo e bem juridicamente relevante.


No Brasil, o regime jurídico do direito ambiental é fundado no art. 225 da Constituição, assim como nos dois princípios específicos basilares que ali estão explícitos, as saber, o da proteção-preservação ambiental e o da sustentabilidade.


O Brasil tem um sistema normativo jurídico altamente avançado e adequado para a defesa do meio ambiente em suas condições de equilíbrio. Contudo, verifica-se que se consolidaram como verdades inquestionáveis uma série de mitos, em rigor, interpretações e aplicações inadequadas das normas ou criações ante a ausência destas, os quais, a despeito da boa intenção (ou não), são contrários ao estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, além de, ao em vez de gerar uma maior proteção, resultam, em grande medida, na própria degradação ambiental.


O primeiro grande mito é aquele segundo o qual, na forma da teoria do risco integral, de inspiração norte-americana, a responsabilidade civil ambiental não admitiria excludentes de responsabilidade do autor do causador do dano ambiental, nem mesmo nas hipóteses gerais e regra expressa da lei civil pátria do caso fortuito, força maior, estado de necessidade e legítima defesa, consoante manifestação da doutrina e jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), citando-se, como exemplo, o teor do Acórdão proferido no Recurso Especial (Resp) 598.281 e no 578.797.


Ocorre que, ao contrário do que sustenta essa doutrina e precedentes do STJ, não há essa previsão legal no direito pátrio, como norma geral. É exatamente o oposto o que determina o direito brasileiro, que enquadra o risco integral é exceção e não pode ser generalizada, salvo quando expressamente prevista em lei, como é o caso das atividades nucleares, na forma do art. 225 da Constituição, pena de violação ao direito fundamental à segurança jurídica e a garantia de que ninguém pode ser obrigado a fazer nada senão em virtude de lei, ambos do art. 5 da Constituição, assim como os arts. 188, 393, 927, 945 e 1.058 do Código Civil. Não é juridicamente correto tirar a teoria do risco integral do suposto princípio do poluidor-pagador ou de qualquer outro, sendo esta, aplicada indistintamente a todo e qualquer empreendimento ou atividade, é um mito, uma verdadeira e absoluta inconstitucionalidade.


O segundo grave equívoco que se consolida como outro mito do direito ambiental brasileiro é o que inclui toda e qualquer obrigação civil ambiental como propter rem ou ônus real, isto é, que segue a coisa, independentemente de quem causou o dano. Isto porque, a única hipótese de obrigação real admitida deve ser a prevista pelo § 2º do art. 2º do novo código florestal (12.651/2012), relacionada exclusivamente aos ilícitos ambientais contra as normas daquele diploma legal. Qualquer outra forma de responsabilização real ambiental é contra a lei, pelos mesmos fundamentos que foram apontado alhures: viola a segurança jurídica e a legalidade.


Ressalte-se que se pode até criar a obrigação real ambiental. O que não pode é fazê-lo via interpretação ampliativa de princípios discutíveis e redutivas ou restritivas do direito fundamental à liberdade e segurança jurídica, como faz mais este mito criado por doutrina e pela jurisprudência, infelizmente, consolidada, do STJ ao ensejo dos REsp 1.025.574-RS, 1.056.540 e 1.374.284.


O terceiro e não menos grave e incorreto mito é o de que a responsabilidade civil ambiental seria imprescritível. Ora, a prescrição é direito subjetivo fundado na segurança jurídica e na liberdade, ambos direitos fundamentais, e somente não incide em hipóteses restritas, expressa e diretamente previstas na Constituição, como crime de racismo, terrorismo e crimes de guerra. Tanto é que a lei da Ação Civil Pública, que ordena as responsabilizações civis ambientais de natureza difusa e coletiva, estabelece que prescreve em 05 anos, sendo que o mesmo define a lei da Ação Popular, a qual também tem por objeto a defesa do meio ambiente. Todavia, doutrina e, mais uma vez, o STJ, desta feita no âmbito do Resp 1120117, entendeu que o dano ambiental refere-se àquele que oferece grande risco à toda humanidade e à coletividade, que é a titular do bem ambiental que constitui direito difuso e, portanto, está protegido pelo manto da imprescritibilidade. Mais um mito, uma inconstitucionalidade flagrante.


O quarto e último mito a ser assinalado neste ensaio é o de que em caso de normas de direito ambiental que tratem do mesmo tema, prevalece o mais protetivo. Sobre este, já cuidaram com peculiar precisão e acerto os professores Eduardo Bim e Talden Farias. Explicitam, com acerto, os citados juristas:


uma das questões mais frequentes é a da exegese que garanta a melhor proteção ao meio ambiente quando se trata de legislação concorrente. E isso é particularmente preocupante porque, ao se buscar a melhor proteção do meio ambiente, pode-se esquecer que há legislação própria e especial, seja ou não sobre matéria ambiental, mas elaborada no espaço deixado pela legislação ambiental como norma geral, que permite tal atividade. Em diversos casos sobre OGMs, isso ficou articularmente claro. A competência concorrente deve respeitar a licitude da atividade e não criar um ambiente de caos, no qual a desigualdade impere sem razão. Havendo concorrência entre os tipos de legislação, a específica deve prevalecer, e não por que se falar em melhor proteção ambiental. Isso fica ainda mais evidente quando se trata da intersecção da legislação privativa da União com a concorrente dos demais entes federativos. O caso concreto fornecerá a resposta sobre qual legislação prevalecerá ou eventualmente sobre como harmonizá-las, mas a legislação local ou estadual não pode pôr em xeque a federal ou a estadual. (RIL Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015 p. 203-245)


Portanto, ao contrário da doutrina majoritária e da jurisprudência dominante (confira-se, entre outros, no STJ, o AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 77.436 - ES (2011/0260395-0), sustentar que a prevalência da norma mais protetiva ao bem ambiental no direito brasileiro é, além de mito recorrente, inconstitucional, pois viola a repartição de competências concorrentes do art. 24 da Constituição e o pacto federativo, fundamento da república, nos termos do art. 1 a 3º da Carta Magna.


Como se verifica estes quatro mitos precisam ser enfrentados e desconstituídos, seja porque não garantem a melhor e maior proteção do meio ambiente, ou notadamente porque violam preceitos fundamentais constitucionais e regras infraconstitucionais garantidoras de direitos individuais basilares e pétreos. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal, guardião último da Constituição, assim o faça.

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