É notória a complexidade da nossa federação, peculiar com seus quatro entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e competência, ou seja, poderes e deveres, atribuições, as quais se repartem as vezes destinadas a um só deles, as vezes a mais de um, e até a todos ao mesmo tempo. Para cuidar disso e evitar insegurança jurídica, a constituição destacou diversos dispositivos, procedimentos, formas de controle do exercício irregular das atribuições e firmou princípios para a sua aplicação, notadamente o da predominância do interesse (nacional, regional e local) e o da cooperação. E esta complexa logica constitucional que é desconstituída por atos de municípios, estados e até do STF. De forma desordenada, estados e municípios, usurpando competências da união, estão fechando fronteiras, portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, e determinando o encerramento de atividades e serviços essenciais. O cerne do problema e a sua solução estão na nossa Constituição. Por isso, apesar de grave, esta questão é passível de soluções rápidas, juridicamente válidas e exequíveis. Para tanto, os intérpretes e aplicadores do direito terão papel fundamental, aplicando corretamente a Constituição. Assim, andou bem a União ao editar a MP indicando quais os serviços essenciais. Isto porque, trata-se de matéria de impacto e interesse nacional, que precisa ser uniformizada, padronizada, evitando caos e desordem, que podem causar muito mais prejuízos e mortes que a pandemia de COVID19 que gerou este estado de calamidade. Por outro lado, andaram mal estados e municípios que decretaram o fechamento de fronteiras e de vias de transporte. Isto porque, não resta dúvida e está previsto na Constituição que é da união a competência para legislar e executar normas referentes a portos, aeroportos, trânsito e ferrovias. E preciso assegurar um marco regulatório comum a todo o território nestas matérias. Além disso, é preciso garantir um mínimo de circulação de serviços e bens essenciais, e das pessoas que fazem com que esses bens sejam produzidos e entregues. Finalmente, nos casos de conflitos de competência, a própria Constituição determina que o mesmo seja solucionado de modo cooperado, jamais unilateral ou por abuso de poder, ou, caso não seja possível, pelo poder judiciário, que, de modo imparcial e em caráter definitivo, detém a competência para solucionar os litígios. Contudo, instado a se manifestar por uma ação proposta pelo PDT, o STF, em decisão de tutela de urgência do ministro Marco Aurélio, acabou por colocar mais lenha na fogueira das competências nesse estado de calamidade, ao desqualificar parte da MP editada pelo Executivo e confundir o dever-poder de ordenação e fiscalização de atividades de impacto regional ou local, exercida por estados e municípios, com a possibilidade destes de interditarem atividades essenciais e transportes de impacto nacional, portanto competência exclusiva da União. Assim, ao contrário do quanto recorrentemente praticado, o nosso sistema constitucional confere a União, em casos como este de calamidade nacional, fundamental no exercício desse plexo de poderes e deveres. Justifica-se, pois são na União que estão vinculados os órgãos e agências reguladoras com capacidade técnica, banco de dados e visão sistêmica, para instruir as decisões e políticas públicas em matéria de saúde, transporte terrestre, marítimo, aeroviário, hidroviário, rodoviário e ferroviário, vigilância sanitária, comunidades indígenas tradicionais e mineração. O exercício de competência predominante pelo poder público federal em tempos de COVID19 e calamidade derivada é a regra e não a exceção. Deve ser estimulada, jamais desconstruída ou resistida. É o que impõe a Carta Magna em seus arts. 20 a 30. Desta forma, o reconhecimento da incompetência municipal e estadual nestas matérias restritivas em absoluto de circulação e de exercício de atividades essenciais é de fundamental importância, respeitando-se as premissas estabelecidas pela União, de forma coordenada e cooperada. Conseguintemente, teremos a celeridade, a eficiência e eficácia no enceramento da calamidade, com segurança jurídica, sustentabilidade, equilíbrio socioeconômico, bem como para o devido cumprimento da Constituição e de sua finalidade basilar: os direitos fundamentais a segurança, liberdade, propriedade, igualdade e vida. Georges Humbert, advogado, professor titular da UNIJORGE-BA, pos-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, doutor e mestre em direito do estado pela PUC-SP e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade ? IBRADES, foi membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente e do Subcomitê de Respostas a Desastres do Conselho de Governo da Presidência da República.
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